quarta-feira, 3 de julho de 2013

Proza

O Café e o Vagabundo 


Estou sentado do lado de fora mexendo vagarosamente a colher na xícara de café.
Chove finamente como se Deus chora-se numa cena de cinema em Paris. 

A câmera é lenta, minhas pálpebras estão pesadas, a vida está sem 

sentido prático, à vida não tem direção. 
Não quero ser ordenado para pagar meu café. 
Haja mundo cretino onde não se pode viver de sonhos.

Não me acordem!


Não ligo de usar sapatos furados, uma capa cor de vinho e

um chapéu de 900 anos.

Eu sou um cultivador da imaginação e não entendo nada

de contas e de contadores.

Nunca quis saber de documentos, papéis, arquivos, 

carimbos, questionários, receitas, envios e extravios.
Livrem-me desta vida cretina a qual todos se acostumaram.
Mortos, todos mortos com seus planos de saúde em dia, 

com seus psiquiatras ignorantes sobre a verdade do espírito. 

Eu não entendo a vida, não entendo a morte e nada disso 

me interessa. Eu quero apenas ler, escrever, tomar meu
 café e contemplar a chuva sem ser visto como um 
vagabundo porque desprezo á vida ordinária. 

Estou adoecendo de uma patologia a qual eu chamo de “selftite”, 

algo como alma inflamada. 

Não me pareço com um mendigo, porque eles tiveram

 a coragem de abandonar suas feições sociais virando
 suas costas e barbas para a sociedade do consumo tétrico. 

Eu sou um ególatra, uma abelha que fabrica mel que 

não tem valor no comércio dos homens.
Apesar de ser homem me comporto como uma flor.
Esta doçura a qual me refiro só é percebida pelas crianças 

quando olham para uma sacola vazia e enxergam dentro 
dela todas as coisas lindas.
Mas é apenas imaginação.
A ação de imaginar,
A imagem,
O íman,
A margem.


Eu não me vejo confortável em nenhum lugar, por isso, 

gosto tanto de viajar porque o mundo é minha
 morada e não um lugar para se viver.
Quando estou em movimento sou como 

um barco sem porto e isso me liberta de mim.
Termino meu café enquanto a chuva vai passando


e saio mais uma vez sem pagar a conta.



                                                                                                                                             Fernando Esselin

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