Estou sentado do lado de fora mexendo vagarosamente a colher na xícara de café.
Chove finamente como se Deus chora-se numa cena de cinema em Paris.
A câmera é lenta, minhas pálpebras estão pesadas, a vida está sem
sentido prático, à vida não tem direção.
Não quero ser ordenado para pagar meu café.
Haja mundo cretino onde não se pode viver de sonhos.
Não me acordem!
Não ligo de usar sapatos furados, uma capa cor de vinho e
um chapéu de 900 anos.
Eu sou um cultivador da imaginação e não entendo nada
de contas e de contadores.
Nunca quis saber de documentos, papéis, arquivos,
carimbos, questionários, receitas, envios e extravios.
Livrem-me desta vida cretina a qual todos se acostumaram.
Mortos, todos mortos com seus planos de saúde em dia,
com seus psiquiatras ignorantes sobre a verdade do espírito.
Eu não entendo a vida, não entendo a morte e nada disso
me interessa. Eu quero apenas ler, escrever, tomar meu
café e contemplar a chuva sem ser visto como um
vagabundo porque desprezo á vida ordinária.
Estou adoecendo de uma patologia a qual eu chamo de “selftite”,
algo como alma inflamada.
Não me pareço com um mendigo, porque eles tiveram
a coragem de abandonar suas feições sociais virando
suas costas e barbas para a sociedade do consumo tétrico.
Eu sou um ególatra, uma abelha que fabrica mel que
não tem valor no comércio dos homens.
Apesar de ser homem me comporto como uma flor.
Esta doçura a qual me refiro só é percebida pelas crianças
quando olham para uma sacola vazia e enxergam dentro
dela todas as coisas lindas.
Mas é apenas imaginação.
A ação de imaginar,
A imagem,
O íman,
A margem.
Eu não me vejo confortável em nenhum lugar, por isso,
gosto tanto de viajar porque o mundo é minha
morada e não um lugar para se viver.
Quando estou em movimento sou como
um barco sem porto e isso me liberta de mim.
Termino meu café enquanto a chuva vai passando
e saio mais uma vez sem pagar a conta.
Fernando Esselin
somos 2...
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